Os Jogos Olímpicos de Paris mostraram a realidade da nossa natação e deixaram claro que a participação brasileira foi o reflexo da falta de organização, planejamento, profissionalismo e seriedade que impera há décadas na modalidade.
Ficamos tristes pelos atletas, que trabalharam duro durante anos e queriam tanto conquistar a tão sonhada medalha olímpica. Só que, por outro lado, o Brasil sair de Paris sem conquistar uma medalha olímpica na natação evita que a realidade da modalidade seja mascarada novamente e que a impressão errada de que estamos seguindo o caminho correto seja disseminada.
Não é preciso pesquisar muito para chegar a essa conclusão. As informações são de fácil acesso e comprovam que estamos apenas fazendo o que sempre foi feito durante décadas.
A PIOR CAMPANHA OLÍMPICA DESDE OS JOGOS OLÍMPICOS DE SEUL, EM 1988
Apesar da evolução apresentada por alguns atletas nesses Jogos Olímpicos de Paris, a natação brasileira fez sua pior campanha olímpica desde os Jogos Olímpicos de Seul, realizados em 1988.
Guilherme Freitas, Jornalista Sênior da Swim Channel, em matéria publicada em 02 de agosto de 2024 (link abaixo), fez uma comparação entre os resultados das edições de Seul 1988 até Paris 2024 e mostrou que de Barcelona 1992 até Tóquio-2020 o Brasil, ou conquistou medalhas, ou teve mais finais do que a campanha em Paris.
https://swimchannel.net/br/comparacoes-de-paris-2024-com-outros-jogos-olimpicos
Isso quer dizer que a campanha de Paris foi um desastre? De jeito nenhum. Tivemos alguns excelentes resultados de alguns atletas, principalmente no feminino, e não podemos deixar de reconhecer isso.
O que é preciso entender é que continuamos não evoluindo na modalidade, que muita coisa está errada e que já passou da hora de mudar a mentalidade de nossos dirigentes, profissionais e atletas para que tenhamos uma natação mais competitiva, eficiente e com mais resultados expressivos nos grandes eventos internacionais.
A ETERNA DEPENDÊNCIA DE APENAS ALGUNS TALENTOS EM CADA CICLO OLÍMPICO
A natação brasileira sempre dependeu de alguns resultados individuais de alguns poucos atletas e de um revezamento que se destaca durante o ciclo olímpico, que era exatamente a situação que tínhamos para os Jogos Olímpicos de Paris.
Quando listamos as medalhas que foram conquistadas, em quais edições elas foram conquistas e em quantas edições ficamos sem conquistar pelo menos uma medalha na natação em Jogos Olímpicos, é possível constatar facilmente o que narramos acima.
- 1952 – Helsinque: Tetsuo Okamoto, bronze nos 1500m livre.
- 1956 – Melbourne: nenhuma medalha.
- 1960 – Roma: Manoel dos Santos, bronze nos 100m livre.
- 1964 – Tóquio: nenhuma medalha.
- 1968 – Cidade do México: nenhuma medalha.
- 1972 – Munique: nenhuma medalha.
- 1976 – Montreal: nenhuma medalha.
- 1980 – Moscou: Ciro Delgado, Djan Madruga, Marcus Mattioli e Jorge Fernandes, bronze no revezamento 4x200m livre.
- 1984 – Los Angeles: Ricardo Prado, prata nos 400m medley.
- 1988 – Seul: nenhuma medalha.
- 1992 – Barcelona: Gustavo Borges, prata nos 100m livre.
- 1996 – Atlanta: Gustavo Borges, prata nos 200m livre e bronze nos 100m livre e Fernando Scherer, bronze nos 50m livre.
- 2000 – Sydney: Gustavo Borges, Fernando Scherer, Edvaldo Valério e Carlos Jayme, bronze no revezamento 4x100m livre.
- 2004 – Atenas: nenhuma medalha.
- 2008 – Beijing: Cesar Cielo Filho, ouro nos 50m livre e bronze nos 100m livre.
- 2012 – Londres: Cesar Cielo Filho, bronze nos 50m livre e Thiago Pereira, prata nos 400m medley.
- 2016 – Rio de Janeiro: nenhuma medalha.
- 2020 – Tóquio: Bruno Fratus, bronze nos 50m livre e Fernando Scheffer, bronze nos 200m livre.
- 2024 – Paris: nenhuma medalha.
72 anos se passaram da primeira medalha olímpica conquistada e nada mudou. Seguimos dependendo dos resultados excepcionais de poucos nadadores em Jogos Olímpicos, ao invés de termos uma seleção forte, com vários atletas entre os melhores do mundo em suas provas.
A DESVALORIZAÇÃO DAS GRANDES CONQUISTAS OLÍMPICAS
Pior do que ficar dependendo de alguns poucos nomes durante décadas, é não conseguir utilizar as conquistas desses atletas para criar um legado e assim perder por várias vezes a oportunidade de massificar e desenvolver a modalidade.
O Brasil já é um país que não valoriza seus atletas olímpicos. Não temos cultura esportiva e, por isso, não sabemos valorizar grandes feitos, enaltecer evoluções e respeitar atletas que dedicaram suas vidas ao esporte e a defender nosso país em grandes eventos.
Tendo conhecimento dessa inexistência de uma cultura esportiva, não deveria existir um projeto para enaltecer nossos finalistas e medalhistas olímpicos, mantendo os mesmos em evidência junto a mídia e comunidade esportiva? Não veria existir também um projeto que aproxime esses olímpicos das futuras gerações, para que possam auxiliar no que for possível os atletas da base?
Isso era o básico do básico a ser feito.
Além disso, ao não fazer o básico do básico, também jogamos fora a oportunidade de captar recursos através da utilização dessas grandes conquistas olímpicas. Porém, como abordaremos em outro capítulo a ineficiência do marketing da entidade gestora da modalidade no Brasil, esse assunto fica para depois.
LEGADO DESPERDIÇADO
Diferente do que aconteceu com a maioria dos países que sediaram edições olímpicas, não foi realizado um trabalho para aproveitar os Jogos Olímpicos do Rio, em 2016, como o início de uma nova era e buscar o grande salto na qualidade de nossa natação. Não melhoramos nada administrativamente, estruturalmente ou tecnicamente.
Conseguimos seguir justamente o caminho contrário do esperado. Não conquistamos medalhas, tivemos a CBDA envolvida em grandes escândalos, que deixaram a entidade com a imagem extremamente negativa e com uma situação financeira extremamente delicada que não foi resolvida até hoje.
Nenhum legado foi construído para a natação brasileira através da Rio 2016 e estamos pagando o preço dessa grande falta de organização, planejamento, profissionalismo e seriedade.
CRITÉRIOS? PROGRAMAÇÃO? PRA QUE ISSO?
Queremos copiar o que as grandes potências fazem, só que não copiamos primeiro o básico, que é ter organização, planejamento, profissionalismo e seriedade antes de tudo.
A natação acabou nos Jogos Olímpicos de Paris e não temos nenhuma informação sobre como será o próximo ciclo olímpico brasileiro.
Enquanto outras grandes potências da natação mundial já possuem no mínimo programações de calendários e critérios para o próximo ciclo, aqui no Brasil provavelmente entraremos no próximo ciclo sem ter ao menos os critérios definidos para a convocação da Seleção Brasileira para os Jogos Olímpicos de Los Angeles.
Corremos o risco de passar novamente pela confusão de sempre, com critérios que são divulgados com pouca antecedência e que ou são alterados constantemente ou não são cumpridos em sua totalidade, calendário de campeonatos divulgado anualmente com sedes indefinidas…
UMA SELETIVA OLÍMPICA PARA SER ESQUECIDA
Para nós, o único ponto positivo foi a decisão do programa de provas não ter os revezamentos e provas não olímpicas.
O restante foi vergonhoso e desanimador.
O principal evento nacional do ciclo olímpico não teve uma identidade visual que mostrasse sua importância e garantisse uma boa utilização em vídeos e fotos para ações de marketing, não teve um telão para mostrar ao público informações sobre as provas e atletas, não teve (novamente) alunos de escolas públicas ou de projetos sociais para prestigiar algumas etapas (algo que é feito com frequência pelas grandes potências da modalidade), não teve uma divulgação eficiente…
Novamente não foi feito o básico, mesmo com tempo suficiente para organizarem um evento dentro dos padrões esperados e merecidos pela nossa natação.
A Seletiva Olímpica precisa ser o evento mais bem organizado de nossa natação, não tem como sermos uma potência mundial na modalidade se não somos capazes de fazer um campeonato que pelo menos chame atenção da imprensa, público e empresas pelos resultados obtidos, pela identidade visual e pelo entretenimento oferecido.
AGUARDE! O CAPÍTULO 2 SERÁ PUBLICADO AMANHÃ!
Nossa série está apenas começando e ainda temos muito o que falar sobre a realidade da natação brasileira.
Enquanto não publicamos o Capítulo 2, manda seu comentário sobre tudo o que escrevemos neste capítulo e aproveita para contar qual é o maior problema da natação brasileira na sua opinião.
Sua opinião é fundamental para nós. Queremos estabelecer um diálogo saudável e respeitoso, que é o melhor caminho para buscarmos as soluções necessárias para a natação brasileira começar a evoluir de verdade.
Obs: Esse texto reflete uma opinião pessoal da direção da RSP Sports e não foi compartilhada com nossos assessorados, parceiros e clientes antes de sua publicação.